Aplicação da Lei Penal
A aplicação da lei penal refere-se ao processo pelo qual a lei penal é utilizada para regular e punir crimes, incluindo a interpretação e aplicação da lei a casos concretos e a execução das decisões judiciais. A Teoria da Lei Penal e sua Aplicação buscam equilibrar a necessidade de punição com o respeito aos direitos fundamentais.
Confira abaixo tudo o que você precisa estudar sobre o tema e responda questões de concursos e OAB no final.
- Aplicação da Lei Penal no Tempo
- Conflito de Leis Penais no Tempo
- Lei Penal no Espaço
- Lugar do Crime
- Aplicação da Lei Penal no Espaço
- Extraterritorialidade
A Lei Penal, assim como qualquer outra norma jurídica, entra em vigor em data determinada e permanece eficaz até sua revogação, regulando todos os atos praticados nesse intervalo. Contudo, a aplicação das leis nem sempre é linear, pois podem surgir situações excepcionalmente complexas.
As normas se sucedem no tempo em razão da evolução do pensamento humano, de modo que condutas tidas hoje como criminosas podem deixar de sê-lo amanhã, e vice-versa.
Quando uma lei revoga outra, cabe à norma revogadora tratar da matéria de forma, ainda que sutilmente, diversa da anterior, sob pena de tornar-se inócua — é esse o princípio da continuidade das leis.
A revogação, por sua vez, consiste na substituição de uma norma jurídica por outra e pode ocorrer de forma total, denominada ab-rogação, ou parcial, denominada derrogação.
Além dessa distinção, a revogação pode ser expressa ou tácita.
Chama-se expressa quando a nova lei declara explicitamente que revoga a anterior — como faz o artigo 75 da Lei 11.343/2006, ao revogar as disposições da Lei 6.368/1976.
Já a revogação tácita ocorre quando a norma subsequente, sem mencionar diretamente a revogação, disciplina o mesmo tema de modo diverso.
Desse modo, a lei produz efeitos desde o momento de sua entrada em vigor até aquele em que é substituída ou revogada.
Vendo a imagem acima, podemos perceber que a lei penal, assim como qualquer lei, somente produz efeitos durante o seu período de vigência. É o que se chama de princípio da atividade da lei.
Entretanto, em determinadas hipóteses a lei penal pode retroagir para abranger fatos ocorridos antes de sua vigência e manter eficácia mesmo depois de revogada.
Veja a seguir:
Conflito de Leis penais no Tempo
Quando uma lei penal é revogada por outra, diversas consequências podem surgir, variando de acordo com a natureza da norma que a substitui.
Lei nova incriminadora
Nesse caso, a nova lei confere natureza criminosa a uma conduta que até então não era considerada ilícita. Por isso, seus efeitos iniciam-se apenas a partir da data de sua entrada em vigor, obedecendo à regra geral da atividade da lei.
Lex Gravior
Na hipótese em que a lei posterior não altera a classificação do fato como crime — pois essa já havia sido estabelecida pela norma anterior —, ela pode introduzir para o réu uma circunstância mais gravosa.
Importa ressaltar que a lei nova é considerada mais severa mesmo que não eleve o quantum da pena; basta que imponha qualquer tipo de prejuízo ao condenado, seja na forma de cumprimento da sanção, na redução ou supressão de benefícios, entre outros efeitos desfavoráveis.
Abolitio Criminis
A abolitio criminis ocorre quando uma lei penal incriminadora vem a ser revogada por outra, que prevê que o fato deixa de ser considerado crime.
Quando a lei posterior descriminaliza determinado fato, seus efeitos retroagem para abarcar condutas praticadas antes de sua vigência, em observância ao art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e ao art. 2º do Código Penal. Ao retirar a natureza criminosa da conduta, concede-se benefício a quem já responde ou cumpre pena em razão desse fato. Esse fenômeno é conhecido como retroatividade da lei penal, pois a nova norma passa a produzir efeitos sobre atos anteriores à sua entrada em vigor.
É importante ressaltar, ainda, que a abolitio criminis faz cessar a pena e os efeitos PENAIS da condenação. Logo, os efeitos EXTRAPENAIS da condenação não ficam afastados pela superveniência de abolitio criminis.
Lex Mitior ou Novatio legis in mellius
A Lex mitior, também chamada de novatio legis in mellius, caracteriza-se pela revogação de norma anterior por outra que favorece o réu.
Nessa hipótese, atendendo ao disposto no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, a nova lei retroage para abranger fatos praticados antes de sua vigência. Tal princípio encontra igualmente previsão no parágrafo único do art. 2º do Código Penal:
Art. 2º (…) Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Lei posterior que traz benefícios e prejuízos ao réu
Pode ocorrer, no entanto, que a lei nova tenha alguns pontos mais favoráveis e outros mais prejudiciais ao réu.
Por exemplo: Suponha que Maria cometa furto, crime cujo dispositivo legal prevê pena de reclusão de um a quatro anos, acrescida de multa. Posteriormente, edita-se nova norma que altera a sanção para detenção de dois a seis anos, sem previsão de multa. Observa-se, assim, que essa lei é mais benéfica ao eliminar a multa e ao substituir o regime de reclusão pelo de detenção, mas, ao mesmo tempo, torna-se mais gravosa ao elevar tanto o patamar mínimo quanto o máximo da pena.
Para determinar se uma lei penal é mais benéfica ou mais gravosa, e se seria admissível combinar seus dispositivos para favorecer o réu, surgiram duas correntes doutrinárias.
A primeira, denominada teoria da ponderação unitária ou global, sustenta que não se pode fundir dispositivos de normas distintas, sob pena de o juiz criar uma “terceira lei” (lex tertia) em violação ao princípio da separação dos Poderes, já que o Poder Judiciário não detém competência legislativa.
A segunda, chamada teoria da ponderação diferenciada, defende a possibilidade de selecionar, entre as normas vigentes, os institutos mais favoráveis ao réu, sem que isso configure inovação legislativa, mas tão somente a aplicação plena da vontade do legislador.
Apesar de eventuais hesitações iniciais, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça consolidaram o entendimento de que deve prevalecer a teoria da ponderação unitária, aplicando-se integralmente apenas uma das leis em homenagem aos princípios da reserva legal e da separação de Poderes.
Quanto à autoridade competente para aplicar a lei penal mais benéfica ou abolitiva, o Supremo estabeleceu que, enquanto o processo judicial ainda não tiver transitado em julgado, cabe ao juízo em que tramita a ação criminal – seja na primeira instância ou em tribunal – escolher e aplicar a norma mais favorável.
Após o trânsito em julgado, essa atribuição passa ao juízo da execução penal, incumbido de revisar as consequências da condenação à luz da nova legislação.
Contudo, a doutrina sustenta que, nos termos da súmula 611 do STF, cabe exclusivamente ao juízo da execução penal aplicar a nova lei mais benéfica após o trânsito em julgado, desde que isso se resolva por simples cálculo aritmético; se for exigida análise que ultrapasse meras operações matemáticas, torna-se necessária a propositura de revisão criminal.
Lei benéfica intermediária
Caso a lei mais benéfica venha a ser sucedida por norma posterior mais gravosa, esta última não retroagirá para prejudicar o réu.
A regra da irretroatividade impede que a lei mais dura se aplique a fatos já regidos pela norma intermediária mais favorável.
Assim, quando a lei B – que revogou a anterior e beneficiou o acusado – entrou em vigor, passou a regular todos os atos praticados até então; e, embora a lei C venha posteriormente a revogar a B, seus efeitos continuam a abranger tanto fatos anteriores à vigência da B (retroatividade) quanto aqueles ocorridos durante sua vigência (ultra-atividade).
Essa dupla característica autoriza o juiz a aplicar a lei B no momento da sentença, pois ela se mostra mais benéfica que a lei C, respeitando-se, assim, a impossibilidade de retroagir em prejuízo do réu e garantindo-se a continuidade dos benefícios ali conferidos.
Leis excepcionais e temporárias (leis intermitentes)
As leis intermitentes apresentam caráter particular, subdividindo-se entre normas excepcionais e normas temporárias.
As primeiras são criadas para operar em situações específicas e extraordinárias, como estado de sítio ou estado de guerra, não havendo prazo fixo para sua autorrevogação.
Já a lei temporária, propriamente dita, é aquela cujo alcance fica limitado a um período determinado, extinguindo-se automaticamente ao término do prazo de vigência estipulado.
No caso das leis intermitentes, em razão de seu caráter transitório, a eventual revogação não altera nada: ela decorre automaticamente do término do prazo de vigência. Por isso, quem praticar o ato tipificado durante o período de vigência responderá nos termos da norma, ainda que esta já tenha expirado.
Trata-se de uma questão lógica, pois, se fosse diferente, bastaria ao réu postergar o desenrolar do processo até a data de extinção da lei para ver sua punibilidade extinta, o que conflitaria com o disposto no art. 3º do Código Penal:
Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Súmulas
Súmulas do STF
Súmula nº 611 do STF – Uma vez ocorrido o trânsito em julgado, caso haja superveniência de lei mais benéfica, sua aplicação compete ao Juízo da Execução Penal:
SÚMULA Nº 611
Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna.
Súmula nº 711 do STF – Em se tratando de crime continuado ou permanente, deve ser aplicada a lei penal mais grave se esta tiver entrado em vigor antes da cessação da continuidade ou da permanência. Não há, aqui, retroatividade da lei mais grave, pois ela entrou em vigor DURANTE a prática criminosa:
SÚMULA Nº 711
A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Súmula do STJ
Súmula nº 501 do STJ – O STJ, ao analisar o conflito intertemporal de leis relativas ao tráfico de drogas, firmou entendimento pela IMPOSSIBILIDADE de combinação de leis (adoção da teoria da ponderação unitária):
SÚMULA Nº 501
É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.
Lei Penal no Espaço
Lugar do crime
Para compreender a aplicação da lei penal no espaço, é fundamental delimitar com precisão o local do crime (locus commissi delicti). Nesse contexto, desenvolveram-se diversas teorias:
1) Teoria da atividade (ou da ação) – Considera-se local do crime apenas aquele em que a conduta é praticada.
2) Teoria do resultado – Para esta teoria, não importa onde é praticada a conduta, pois se considera como lugar do crime o local onde ocorre a consumação.
3) Teoria mista ou da ubiquidade – Esta teoria prevê que tanto o lugar onde se pratica a conduta quanto o lugar onde ocorreu ou deveria ocorrer o resultado são considerados como local do crime. Esta teoria é a adotada pelo Código Penal, em seu art. 6°:
Art. 6º – Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Aplicação da lei penal no espaço
Todas as leis são editadas para vigorar em tempo e espaço determinados. No que tange à lei penal, via de regra ela aplica-se dentro do território do país em que foi editada, pois este é o limite do exercício da soberania de cada Estado. Em outras palavras, nenhum país pode exercer autoridade fora de suas fronteiras.
Territorialidade
Esta é a regra geral de aplicação da lei penal no espaço: pelo princípio da territorialidade, a legislação criminal de um país incide sobre os delitos praticados em seu território, independentemente da nacionalidade do autor ou da vítima. Assim, qualquer infração cometida em solo brasileiro submete-se à lei penal brasileira.
É o que prevê o art. 5° do Código Penal:
Art. 5º – Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
Mas, o que se considera como território brasileiro para fins penais?
Território pode ser conceituado como espaço em que o Estado exerce sua soberania política. O território brasileiro compreende:
• Toda a extensão terrestre situada até os limites fronteiriços do nosso país, bem como rios, lagos e mares interiores (além das ilhas vinculadas ao Brasil), bem como o subsolo
• O mar territorial (faixa de 12 milhas marítimas medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular)
• O espaço aéreo (Foi adotada a teoria da absoluta soberania sobre a coluna atmosférica do país subjacente)
Há, ainda, locais que são considerados como extensão do território nacional, nos termos do art. 5º, §1º do CP:
Art. 5º (…) § 1º – Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
O §2º do art. 5º do CP ainda dispõe que:
Art. 5º (…) § 2º – É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Extraterritorialidade
A extraterritorialidade corresponde à incidência da lei penal brasileira sobre condutas delituosas praticadas fora dos limites do território nacional. Assim, ao analisar um problema de aplicação da lei penal no espaço, o primeiro passo é perguntar: o fato delituoso ocorreu em solo brasileiro, seja de forma física ou por extensão jurídica?
Se a resposta for afirmativa, não há espaço para discutir extraterritorialidade, pois o crime se consumou no Brasil — seja porque a ação se deu aqui, seja porque o resultado se produziu aqui — e, portanto, prevalece a regra da territorialidade.
Somente quando restar claro que o fato não aconteceu em nosso território é que se deve investigar a possível ocorrência de alguma das hipóteses de extraterritorialidade, as quais se classificam em três espécies — incondicionada, condicionada e hipercondicionada — cada qual aplicável a situações específicas previstas em lei.
Incondicionada
▪ Crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República
▪ Crime contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público
▪ Crime contra a administração pública, por quem está a seu serviço
▪ Crime de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil
Condicionada
▪ Crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir
▪ Crimes praticados por brasileiro
▪ Crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados
Hipercondicionada
▪ Crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil
Mesmo quando o delito se consumou fora do território brasileiro, a lei penal nacional pode ser aplicada.
Nas modalidades de extraterritorialidade condicionada e hipercondicionada, essa aplicação depende do atendimento a requisitos específicos, que serão examinados adiante.
A escolha legislativa de prever tais hipóteses responde a diferentes motivações, variáveis conforme o caso. Desse modo, cada forma de extraterritorialidade decorre de princípios distintos — cuja análise faremos a seguir — que justificam a extensão do alcance da lei penal brasileira.
Princípio da Personalidade ou da nacionalidade
Pelo princípio da personalidade ativa, aplica-se a lei penal brasileira ao crime cometido por brasileiro, ainda que no exterior. As hipóteses de aplicação deste princípio estão previstas no art. 7°, I, “d” e II, “b” do CP:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – os crimes: (…) d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (…) II – os crimes: (…) b) praticados por brasileiro;
No primeiro cenário, a simples circunstância de o genocídio ter sido cometido por brasileiro é suficiente para atrair a incidência da lei penal nacional, sem qualquer requisito suplementar.
Já no segundo cenário, que envolve a prática de crime comum por brasileiro no exterior, a aplicação da legislação penal brasileira subordina-se ao atendimento das condições previstas no § 2º do art. 7º do Código Penal.
§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Dessa forma, não basta que o crime tenha sido praticado por brasileiro; é preciso que estejam presentes todas as condições exigidas: que a conduta seja igualmente punível no lugar de sua ocorrência, que o agente retorne ao território nacional, que o delito figure entre aqueles que autorizam a extradição e que não haja ocorrido absolvição nem extinção da punibilidade no exterior.
Pelo princípio da personalidade passiva, a lei penal brasileira também se aplica aos delitos cometidos no estrangeiro por estrangeiro contra brasileiro, conforme dispõe o § 3º do art. 7º do Código Penal.
§ 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
Ou seja, além das condições previstas para a aplicação do princípio da personalidade ativa, para a aplicação do princípio da personalidade passiva o Código prevê ainda outras duas condições:
– Ter havido requisição do Ministro da Justiça – O Ministro da Justiça deve enviar requisição ao Ministério Público para que seja iniciada a persecução penal.
– Não ter sido pedida ou ter sido negada a extradição do estrangeiro que praticou o crime – Como é um crime praticado por estrangeiro, e esse estrangeiro necessariamente ingressou depois no Brasil (art. 7º, §2º, “a” do CP), é necessário que seu país de origem não tenha pedido ao Brasil a extradição ou, se pediu, o Brasil a negou.
Princípio do domicílio
Segundo esse princípio, basta que o agente seja domiciliado em território brasileiro para que a lei penal nacional seja aplicada, sem qualquer outra exigência. A única hipótese de incidência dessa regra está prevista no inciso I, alínea “d” do artigo 7º do Código Penal.
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – os crimes: (…) d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
Portanto, o princípio do domicílio aplica-se exclusivamente ao crime de genocídio, permitindo a incidência da lei penal brasileira mesmo quando o delito tenha sido cometido no exterior por agente estrangeiro contra vítima também estrangeira, desde que o autor seja domiciliado em território nacional.
Alguns doutrinadores entendem que, nessa hipótese, opera o princípio da justiça universal.
Princípio da Defesa ou da Proteção
Este princípio visa a garantir a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos, em qualquer lugar e por qualquer agente, mas que ofendam bens jurídicos nacionais. Está previsto no art. 7°, I, “a, b e c”:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
É preciso destacar que aqui se trata de proteger bens jurídicos de extrema importância para a coletividade.
Não se pretende conferir à vida e à liberdade do Presidente da República valor superior aos demais brasileiros, mas sim assegurar que eventual crime contra a autoridade presidencial não fique impune, pois atinge não apenas o indivíduo, mas toda a nação.
Importa ressaltar que essa previsão alcança apenas as condutas que atentem contra a vida ou a liberdade do Presidente, sem exigir quaisquer outras condições, bastando a ocorrência do delito contra esses bens jurídicos.
A lei penal brasileira será aplicada mesmo que o agente já tenha sido condenado ou absolvido no exterior:
Art. 7º (…) § 1º – Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
Para evitar o bis in idem, se o agente já tiver sido condenado no estrangeiro, a pena brasileira será reduzida pelo tempo já cumprido fora do país, procedimento denominado detração penal. É o que dispõe o art. 8º do Código Penal:
Art. 8º – A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.
Apesar de o art. 8º ser elogiado, há quem afirme que a mera possibilidade de novo julgamento pelo mesmo fato já caracteriza bis in idem. Sob esse entendimento, a norma representaria uma exceção ao princípio do ne bis in idem, pois permitiria ao Estado processar, condenar e punir o agente mesmo após ter havido julgamento definitivo — inclusive com condenação e cumprimento de pena — em outra jurisdição.
Princípio da Justiça Universal
De acordo com esse princípio, a lei penal brasileira aplica-se a crimes praticados em qualquer lugar e por agente de qualquer nacionalidade, desde que o Brasil, por meio de tratado internacional, tenha se comprometido a reprimir essa conduta. A previsão normativa encontra-se no inciso II, alínea “a” do art. 7º do Código Penal:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (…) II – os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
Essa previsão assenta-se na convicção de que determinadas infrações devem ser reprimidas por toda a comunidade internacional, de modo a não admitir barreiras territoriais à sua punição. Por estar prevista no inciso II do art. 7º, aplicam-se igualmente as condições estabelecidas no § 2º desse mesmo artigo, como a exigência de ingresso do agente em território brasileiro e demais requisitos legais.
Princípio da Representação ou da bandeira ou do Pavilhão
Nos termos desse princípio, a lei penal brasileira alcança os delitos praticados no exterior a bordo de aeronaves ou embarcações privadas que ostentem bandeira nacional, sempre que o Estado em que ocorreu o fato deixar de processá-los.
A previsão está no art. 7°, II, “c” do CP:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
(…) II – os crimes:
(…) c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
Extraterritorialidade condicionada, incondicionada e hipercondicionada
Como já vimos, o princípio da territorialidade, pelo qual a lei penal brasileira se aplica às infrações cometidas em nosso território, constitui a regra geral. Contudo, há situações em que delitos praticados no exterior também são alcançados pela legislação nacional, fenômeno conhecido como extraterritorialidade. Essa modalidade divide-se em incondicionada e condicionada.
No primeiro caso, como o próprio nome diz, não há qualquer condição. Basta que o crime tenha sido cometido no estrangeiro. As hipóteses são poucas e já foram apresentadas aqui.
São as previstas no art. 7°, I do CP (Crimes contra bens jurídicos de relevância nacional e crime de genocídio).
Embora sob fundamentos diversos (Princípios diversos), todas as hipóteses culminam no fenômeno da extraterritorialidade incondicionada da lei penal brasileira.
A extraterritorialidade condicionada, por sua vez, está prevista no art. 7°, II e § 2° do CP. Neste caso, a lei brasileira somente será aplicada ao fato se preenchidas determinadas condições.
Nos termos do Código Penal, temos as seguintes hipóteses de extraterritorialidade condicionada:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) II – os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
As condições para esta aplicação se encontram no art. 7°, § 2° do CP:
– Entrar o agente no território nacional
– Ser o fato punível também no país em que foi praticado
– Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição
– Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena
– Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável
Essas condições são cumulativas, ou seja, todas devem ser preenchidas para que seja possível a aplicação da lei penal brasileira.
Existe ainda a chamada extraterritorialidade hipercondicionada, que é a hipótese prevista no § 3° do art. 7º:
Art. 7º (…) § 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Essa é a única hipótese de extraterritorialidade hipercondicionada (crime praticado por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil), determinada pelo princípio da nacionalidade ou personalidade passiva.
Neste caso, além das condições anteriores, existem ainda duas outras condições:
– Não ter sido pedida ou ter sido negada a extradição do infrator
– Ter havido requisição do Ministro da Justiça


Questões de Concursos
Confira algumas questões de concursos sobre a Aplicação da Lei Penal no Tempo e Espaço
Questão 1 – FGV – 2024 – Guarda Civil Municipal – Prefeitura de São José dos Campos
De acordo com o Código Penal, em relação ao tempo do crime, considera-se praticado o crime no momento
A – da ação ou omissão, exceto se outro tenha sido o momento do resultado.
B – da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
C – da ação, no caso dos crimes comissivos, mas considera-se o momento do resultado nos casos de crimes omissivos.
D – da omissão, no caso dos crimes omissivos, mas considera-se o momento do resultado nos casos de crimes comissivos.
E – do resultado, para os crimes omissivos e comissivos, ainda que outro tenha sido o momento da conduta.
Questão 2 – CEBRASPE – 2024 – Técnico Judiciário – TSE
João, com a intenção de subtrair um veículo, rendeu o motorista com o emprego de arma de fogo. Antes mesmo de ingressar no interior do veículo, o agente criminoso foi surpreendido pela polícia e, na tentativa de fuga, invadiu casa alheia, vindo a agredir um dos moradores.
A partir da situação hipotética apresentada, julgue o item que se segue, com base no Código Penal.
Considera-se como tempo do crime o momento em que o resultado do delito ocorre, independentemente do instante em que se iniciou a conduta criminosa, o que, no caso em apreço, corresponde ao momento da agressão ao morador da casa invadida.
C – Certo
E – Errado
Questão 3 – FGV – 2024 – Técnico Judiciário – TJ MT
Acerca da aplicação da lei penal no tempo, assinale a afirmativa correta.
A – É aplicável a teoria da ubiquidade, haja vista que se considera praticado o crime no momento da ação e do resultado.
B – É aplicável a teoria da consequência, haja vista que se considera praticado o crime no momento do resultado.
C – É aplicável a teoria da conduta ou da atividade, haja vista que se considera praticado o crime no momento da ação ou omissão.
D – É aplicável a teoria da alternatividade, haja vista que se considera praticado o crime no momento da ação ou do resultado.
E – É aplicável a teoria da paridade, haja vista que, a depender do delito, considera-se praticado o crime desde o momento da ação até a produção do resultado.
Questão 4 – CEBRASPE – 2024 – Auditor de Controle Externo – TCE PR
Em relação à aplicação da lei penal, assinale a opção correta.
A – Sentença penal estrangeira que obrigue o condenado a reparar o dano causado pela conduta pode ser homologada no Brasil, independentemente de pedido da parte interessada.
B – Para efeitos de aplicação da lei penal brasileira, as embarcações públicas são consideradas extensão do território nacional, desde que estejam em alto mar.
C – A pena cumprida no estrangeiro só gera efeitos naquela imposta no Brasil quando ambas forem da mesma natureza.
D – A lei excepcional, mesmo que cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
E – Não se aplica a lei brasileira a crime de genocídio praticado no estrangeiro, quando o agente for domiciliado no Brasil, caso ele tenha sido absolvido no exterior
Questão 5 – FEPESE – 2024 – Guarda Municipal – Prefeitura de Palhoça
De acordo com Direito Penal brasileiro, considera-se lugar do crime:
A – apenas o local em que ocorreu a conduta criminosa.
B – o local em que ocorreu a conduta, bem como o local onde se produziu o resultado.
C – exclusivamente o local onde se produziu o resultado.
D – o local onde foi preparada e organizada a conduta criminosa futura.
E – o local em que a autoridade policial tomou conhecimento da conduta delituosa.
Questão 6 – FGV – 2024 – Técnico Judiciário – TJ MT
Após ser aprovado em concurso público, João, cidadão brasileiro, viajou ao Paraguai para comemorar e, após discutir com um vendedor ambulante, foi baleado. João conseguiu retornar ao Brasil, mas faleceu no hospital. Diante de tal situação hipotética, acerca da aplicação da lei penal no espaço é correto afirmar que é aplicável a teoria
A – da atividade, haja vista que se considera praticado o crime estritamente no lugar da prática da conduta criminosa, independentemente de se tratar de ação ou omissão.
B – da ambulatoriedade, haja vista que se considera praticado o crime no lugar onde o agente for encontrado.
C – da ubiquidade, haja vista que se considera praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
D – da paridade, haja vista que, a depender das circunstâncias e do tipo penal, considera-se praticado o crime no lugar em que, segundo o dolo do agente, deveria ter sido produzido o resultado.
E – consequencialista, haja vista que se considera praticado o crime estritamente no lugar onde se produziu ou deveriam ter sido produzidos os efeitos da conduta criminosa.
Questão 7 – FUNDATEC – 2024 – Guarda Municipal – Prefeitura de Foz do Iguaçu
Uma pessoa que nasceu e morava no Paraguai veio ao Brasil ilegalmente para realizar, junto com alguns brasileiros, um assalto a um banco. Os policiais brasileiros a prenderam durante a fuga, já na fronteira com a Argentina. De acordo com a legislação penal, considera-se praticado o crime:
A – No país da ação efetuada, ou seja, do assalto.
B – No país do destino após a fuga, caso haja convenção ou tratado internacional.
C – A definição do local do crime depende da sua gravidade.
D – Nos países onde foi efetuada a prisão, ou seja, no Brasil e na Argentina.
E – No país de origem do autor do crime.
Questão 8 – FGV – 2025 – Nacional Unificado – OAB 43º Exame
Rodrigo, brasileiro, obteve bolsa de estudos para intercâmbio de seis meses em uma universidade nos Estados Unidos. Nesse período, Rodrigo começou a namorar Mary, uma jovem estadunidense. Após uma crise de ciúmes, Rodrigo matou Mary, por estrangulamento, no apartamento em que morava na Flórida. O feminicídio constitui infração penal nos Estados Unidos. No dia seguinte aos fatos, Rodrigo retornou ao Brasil. Como advogado da família da vítima, esclareça a viabilidade de aplicação da Lei Penal brasileira a Rodrigo, identificando o princípio penal correspondente.
A – O princípio da bandeira ou do pavilhão admite a responsabilidade penal de Rodrigo pelo fato ocorrido no estrangeiro.
B – O princípio da personalidade passiva impede a responsabilidade penal de Rodrigo, pois a vítima era estadunidense.
C – O princípio da personalidade ativa enseja a hipótese de extraterritorialidade condicionada, autorizando a aplicação da Lei Penal brasileira a Rodrigo.
D – O princípio da defesa ou da proteção impede a aplicação da Lei brasileira a fatos ocorridos no exterior, especialmente quando o autor do fato for brasileiro nato.
Gabarito:
Questão 1 – B
Questão 2 – Errado
Questão 3 – C
Questão 4 – D
Questão 5 – B
Questão 6 – C
Questão 7 – A
Questão 8 – C
Penall – In fide et labore